CORPO EM DESENCANTO - MARTINS MORAIS

CORPO EM DESENCANTO

Martins Morais

Um aperto, um afago e o apreço,

Que sobrepõe o fogo e intriga a mente escancarada;

Revira a casa do corpo

Incandesce a voz aveludada quase em eco...

E enche de lava a alma pura

Da extrema sensação pulgente,

Cheia de fel e ternura.

Um tempero adocicado de aurora

Páira nos pulmões dos apaixonados:

Que sofrem a hora da despedida,

Que amam o segundo após a chegada,

Que reviram as gavetas da vida e

Adormecem ao léu à espera da amada.

Um minuto é eterno

E etérea é a hora em que juntos os corpos se enchem,

Se encostam e tremem

- simultâneos...espontâneos...quentes...safos!!!

O corpo esbelto aos olhos doutro torna-se nuvem

E o entardecer dentro daquele tempo de graça

É quase que um universo por completo...

...em chamas...e em caos.

A paixão reluzente é mais que uma forma,

Mais que meias palavras,

Mais que meros sentimentos.

É uma inteira possibilidade de ver além de horizontes púrpuros,

Com binóculos mágicos, divinos,

A nossa própria alma que se estampa nas paredes da vida.


DIAMANTINA

WARLISSON DE FÁTIMA SANTOS


“Diamantina é uma jóia rara”

Assim começa uma canção

Quem nasceu em Diamantina é artista

Músico, poeta ou artesão!


Diamantina, uma jóia rara

Raro prazer do sim e do não

Terra onde os diamantes “deixaram tristeza”

Quantos de nós não vivemos em vão!


Diamantina, jóia rara

JK nos faz orgulho da nação

Todo ano tem a sua medalha

Mas a vida não muda não.


Diamantina rara

Cidade da loucura perdida,

Do beco do mota da vida,

Da desigualdade que assola o país!


Diamantina

Deusa da grande canção,

Dona de Minas, do País e do Mundo

Acima de tudo,

Orgulho deste cidadão!

quarta-feira, 21 de março de 2012

II MANIFESTO DO BECO - Wander Conceição


II  MANIFESTO  DO  BECO
Wander Conceição

A jovem Maria, menina adolescente, certo dia se perdeu. Desonrou a família, ganhou a sarjeta. Sem piedade! Sem compaixão! Subiu no lombo de um burro, desapareceu...

Junto ao mourejar dos tropeiros em busca das mercadorias importadas, desembarcou no braço final da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Recolheu-se em uma pensão, que era do Beco do Motta, que era do Grande Empório do Norte, que era de João Francisco da Motta, que era da rua da Quitanda, que era de Diamantina, que era grande centro cultural, que era pólo administrativo-financeiro do norte e nordeste de Minas Gerais.

Maria foi recebida com flores e música no Cabaré. Escutou as serenatas. Aprendeu a dançar Tango, Bolero, Valsa. Ganhou carteirinha da Saúde Pública, ganhou exame médico periódico e ganhou as esquinas cruzadas dos becos do Alecrim e do Motta como limite da vida. Achou-se...

Trocou a sarjeta pela segurança ardilosa de um covil: um lugar misterioso, velado pelos fantasmas da maldição. O sofrimento calou a voz de Maria, mas o rumor do soluço abafado de seu pranto ainda retumba no silêncio das pedras do Beco, durante as madrugadas de lua cheia, em forma de manifesto:

1.     De hoje em diante todas as criancinhas do Beco do Motta devem receber instrução regularmente e brincarão desimpedidas pelas calçadas da cidade!

2.     Todas as prostitutas, no mundo inteiro, têm o direito de assistir a missa das almas e acompanhar as procissões!

3.     Todas as mulheres da vida estão obrigadas a andar livremente pelas ruas, ainda que não se tenha reboado o sino do silêncio!

4.     Todas as meretrizes podem se deslocar até os tabuleiros do bolo de arroz na Praça da Catedral e escolher um lugar de destaque nos assentos do teatro e do cinema!

5.     Todas as famílias da cidade devem transitar, preferencialmente, pelo Beco do Motta e estão expressamente proibidas de baixar a cabeça para não observar o seu interior!

  
Maria se multiplicou em muitas Marias, mas o tempo das Marias sofridas pela prostituição passou. O Beco do Motta ganhou novas roupagens e, nos anos oitentas, reuniu a juventude diamantinense, sequiosa em apoderar-se dos dotes da Arte e da Boemia.

Nasceu o “Projeto Arte no Beco”, um manifesto em favor da cultura e comprometido com a busca de novos caminhos para a Diamantina do vazio da atividade extrativista.

Duas décadas depois, Diamantina ainda não se libertou do obscurantismo predatório da cartilha do garimpo. Sofre da mesma miopia cultural que embaçou os dias da existência de Maria.

Fantasmas do Beco do Motta! Fazei com que se compreenda que Diamantina se tornou “Patrimônio Mundial” porque possui conjuntos arquitetônicos, históricos e culturais que a singularizam em meio a grande maioria das cidades do universo!

Fazei com que se compreenda que a agressão a essas singularidades pode conduzir Diamantina à simples condição de cidade comum e reduzir seu patrimônio artístico a um padrão meramente habitual!

Fantasmas do Beco do Motta! Fazei com que se compreenda que a atividade turística em Diamantina deve ser comprometida com um processo de inclusão social, para que prevaleça a harmonia e o respeito mútuo nas relações de sua comunidade!

Fazei com que se compreenda que os inúmeros valores culturais da cidade, emergentes no teatro, na dança, nas artes plásticas, na música, na literatura, apresentam-se como potencial turístico imensurável, necessário à implantação da indústria do turismo auto-sustentável!

Caso contrário, os sonhos serão castrados, ressuscitando o imenso Zepelim que sufocou as súplicas mais ardentes da menina Maria, fazendo com que,

De tudo que é nego agourento
Do senhor do ouro ao bêbado fedorento
Ela fosse namorada
Que a cidade apavorada
Do outro lado da calçada
Vivesse sempre a repetir
  
Joga pedra na Maria
Joga bosta na Maria
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Maria

Enquanto a cidade em romaria atirava a primeira pedra, Maria do Beco do Motta, sufocada pela humilhação e pela vergonha, entregava seu destino a Deus, murmurando, com as lágrimas da desesperança, o Salmo do santo, Francisco de Holanda:

Meu corpo está sofrendo
É grande o meu torpor
Eu vou enlanguescendo
Rendo-vos mil graças, meu Senhor

Conturbam-se meus ossos
Meu vulto perde a cor
Minh’alma está confusa
Fustigai-me, meu Senhor

Meu Deus abri-me as portas
Da eterna servidão
Lançai-me vossa cólera
No templo de Sião

Por conseguinte, ao se reconstituírem os mistérios e os broquéis do túnel do tempo, ressurgem, no calçamento pé-de-moleque do Beco do Motta, as almas das Marias desvalidas, numa longa procissão. E como nos tempos de outrora, ainda hoje o remédio para o sofrimento é a oração, rezemos com fervor e esperança a ladainha dos antigos recitais:

Beco do Motta sem nome
Beco das noites de amor
Beco maldito dos lares
Beco vadio dos bares
Beco do grito e da dor

Beco do crime e do jogo
Beco da roda da sorte
Beco do riso e do choro
Beco da vida e da morte
Beco da escuridão

Beco da chuva e do vento
Beco da água dos rios
Beco da beira da estrada
Beco dos homens vazios
Beco da hora marcada

Beco do pranto contido
Beco do mundo bandido
Beco da alma penada
Beco da lua quadrada
Beco da desilusão

Beco das horas aflitas
Beco de tantas Marias
Beco da flor da lapela
Beco do filme da tela
Beco da insensatez

Beco do Motta da lama
Beco da farra e da fama
Beco de mil coronéis
Beco senhor dos anéis
Beco da humilhação

Beco da melancolia
Beco da rua do mundo
Beco do caos da boemia
Beco do pano de fundo
Beco do poeta nu

Beco do beijo de Judas
Beco da contradição
Beco da aura doente
Beco do Motta da gente
Beco da perseguição
  
Beco do álcool e do tédio
Beco da fome e da sede
Beco da cruz do caminho
Beco que vive sozinho
Beco do Motta do horror

Beco do Motta nocivo
Beco do café furtivo
Beco da causa perdida
Beco da paz esquecida
Beco da revolução

Beco do Motta obsceno
Beco distante de tudo
Beco dos filhos da rua
Beco das sombras da lua
Beco dos cantos do entrudo

Beco do Motta fodido
Beco do sonho abolido
Beco da neura da guerra
Beco da loca da serra
Beco da escravidão

Beco de muitos amores
Beco do Motta das dores
Beco que teve um bom fim
Beco da falta de amparo
Beco da cruz do rosário

Beco das trevas da luz
Beco do monte do carmo
Beco da consolação
Beco que se fez poesia
Beco que se fez canção.

Wander Conceição

35º Festival de Inverno da UFMG
 Diamantina – MG, mês de julho de 2003.




DOS AMORES DAS MANHÃS
Wander Conceição
Hoje amanheci deverasmente ávido de amor!
Um amor que também fosse sexo,
que acalmasse tanto as procelas, quanto as ternuras do meu tesão.
Um amor de verdade, sem encenação, sem disfarces,
sem rodeios, sem prisões, sem fantasmas.
Um amor sem a omissão, que é a própria inverdade em pessoa,
sem jogo de preferências, de ciúmes, interesses, soluções,
mas recheado de sedução.
Um amor voraz, que não fosse mesquinho nem feio,
mas liberto de medos e de limites.
Um amor que me transportasse ao vermelho daquele sol poente,
por trás de um eucalipto desfolhado nos quintais da minha infância,
embora o meu tesão de amor esteja amanhecendo.
Um amor como o que não vivi com Emília,
porque era eu adolescente,
e que jamais poderá ser vivido, porque nossa adolescência passou.
Um amor que fosse andamento adágio suave em sua essência
e allegro sforzado no seu êxtase.
Um amor que fosse tão imenso a ponto de me convencer
que o homem e a mulher foram feitos da mesma argamassa.
Hoje amanheci deverasmente ávido
de um amor que afogasse em amor o meu tesão!

“DOS AMORES DAS MANHÃS”
Show Musical no Teatro Casa da Glória Eschewege
32º Festival de Inverno da UFMG
Diamantina – MG, 19 de julho de 2000




MENINA DIAMANTINA
Casarões, lendas, ladeiras
Silhueta na calçada
Batuque no mercado
Igrejas, Beco do Mota
O sacro e o profano
Para o êxtase do poeta.
A nudez da mulher
Sob a luz de lampiões
O dedilhar de violões
A magia das serestas
Despertando vidas
No ventre da menina-moça.
Beth Guedes
Poesia extraída do livro:
Viver é Isso e Algo Mais - 1987



Nenhum comentário: